Homenagens pelo Centenário

VIDA MARVADA

Era uma casa pequena e antiga, dessas em que as janelas são construídas para se debruçar sobre elas e olhar a rua nos fins de tarde. Era nessa moldura que já adivinhava meu amigo, assim que saía do colégio e subia em direção à Praça do Tênis.

Ele me chamava: Ó, boneca! em contraponto ao irmão dele que me chamava: Ó Lumumba, cabeça de bagre! Os dois adoráveis, os dois meus melhores amigos adultos daquela época, os dois meus anjos mais saudosos.

Minha lembrança do tio Lúcio passa pelo azul intenso, cor dos olhos e frequentemente da camisa do pijama, que ele mostrava sem pruridos naquelas tardes mornas e aposentadas.

Havia grilos e cigarras, a tarde virando noite e eu em plena adolescência parava para uma prosa contida e envergonhada. Aqueles olhos acariciavam. A risada macia confortava sempre. Não queria ir para casa. Era bom ficar ali e ouvir sobre profissões e poesia. Acreditava que já era adulta; ele me tratava assim.

Foi uma pena perdê-lo tão cedo. Pena tê-lo descoberto tão tarde.

No site que a Fernanda montou para ele tem a foto da fachada de sua casa. Mas enquanto ele morou ali, não havia grades na janela. Era no peitoril que ele apoiava os cotovelos e deixava num suspiro, a "vida marvada" passar.

Patrícia Mendonça Rati
Março/2011



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