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Poemas
Poemas extraídos dos livros "Evangelho de um Triste" e "Nas Asas do Sonho", do autor.
Evangelho de um Triste
Lúcio Mendonça de Azevedo
Procura transformar o espinho em roseiral,
Prega o perdão e a paz onde floresça o mal.
Dá teu pão ao que pede, à volta dos caminhos,
Não perturbes, amigo, a placidez dos ninhos.
E que o teu coração abrace o mundo inteiro,
Em mensagem de amor, de ideal verdadeiro,
Ungindo os homens maus, os pérfidos, os falsos,
Na mesma compreensão de fraternais abraços,
Pois, no imenso roldão dos abismos insanos,
Somos todos de Deus, somos todos humanos.
A gargalhada de hoje é o pranto de amanhã,
Faze, do teu pesar, madrugada louçã
Que seja,a o fim de tudo, exemplo benfeitor
Ao que se desespera e se imola na dor.
Quando a sede chegar, não consumas tua água
Que sempre é bem melhor não matar toda a mágoa.
O sofrimento é balsamo que lembra Deus,
Viver sempre feliz é evangelho de ateus.
Que grande majestade és tu, suprema luz,
Que não podes sofrer, quando sofreu Jesus!
O ódio, a inveja, a calúnia, a prisão, a miséria
São atributos vãos ligados à matéria
Mas que enriquecem a alma igual à bela flor
Que se aduba do estrume e eu vive do horror.
Criaturas quais tu se arrastam por trilhões
E transformam-se em luz se beijam seus grilhões.
Sonata a um Luar de Junho
Lúcio Mendonça de Azevedo
Luar cinzento de tristeza tanta
Que a terra é manta de uma dor infinda.
Luar de tédio que a alegria espanta
E o céu quebranta como a luz que finda.
Não brilha estrela que ilumine o verso
Na mágoa imerso de um langor profundo.
Palor tristonho pelo céu disperso,
Fatal reverso que sufoca o mundo.
Qual rola mansa que num ramo chora,
Minha alma implora pela paz de um ninho.
E a rima pobre que o cismar deplora
Tropeça, agora, pelo meu caminho.
Bem fere o frio que cavalga o vento.
Vencendo o alento de quem sofre tanto.
E a noite enorme tem o passo lento
Do desalento que me amarga o pranto.
Mas, sim, meu Deus, há de chegar o dia
De uma agonia que será meu fim.
E a doce morte que eu, então podia
Será alegria para um triste assim ...
Maio/1966
Professora Lourencina Palmério
Lúcio Mendonça de Azevedo
Lourencina Palmério, nobre dama
De nossa classe amiga e protetora;
Toda a Escola reunida aqui proclama
Seus méritos, que o tempo não desdoura.
Ornam-lhe a fonte iluminada e viva
Inspirações celestes e divinas.
Sua existência é uma peleja ativa
Que o céu ordena às mais fidalgas sinas.
Uma vontade imensa de servir
É a razão principal de sua vida,
Seu nome há de ficar, pelo porvir,
Na gratidão da pátria estremecida.
Rosas de amor, mil rosas de afeição,
Entre as bênçãos de Deus, em suave calma.
Perfumam seu grandioso coração,
Beijam de aroma as dobras de sua alma.
E Lourencina, um anjo tutelar,
Nos quadrantes do mundo inquieto e vário,
Tem as palmas da Escola, que é seu lar,
Nas alegrias deste aniversário.
Nunca lhe venham, tristes, no caminho,
Pesares, mágoas e preocupações;
Que as aves cantam, no calor do ninho,
Rogando para ela, em orações.
Certo há de ter, pela existência em fora,
Todo o Universo a desfazer-se em glória,
Com o pensamento em Deus, de joelho, agora,
Nós a vemos de pé, no altar da História.
Irmanadas no afeto e na amizade,
Nós lhe ofertamos a alma e o coração.
E lhe ofertamos paz, felicidade,
No relicário azul da gratidão.
Nesta hora eternal, felizes somos
Em querer que o milagre das sementes
Se multiplique em mil dourados pomos,
Para o alimento espiritual dos crentes.
A recompensa há de cair da Altura,
Em taças de ouro, que Jesus lavrou.
E Lourencina sentirá a ventura
Da vida santa a que se dedicou.
Pelas estradas amplas deste mundo.
Vai colhendo violetas perfumadas.
Surgem de uma afeição, do amor profundo,
Da gratidão das almas bem formadas.
A vida é um céu formoso de bonança
Que Lourencina, para nós traçou.
Vemos, na frente, a aurora de Esperança,
Que ela, com mãos de fada, nos mostrou.
Lá no Reino Sagrado de Maria,
Entre acordes de música divina,
Há de viver, por certo, outra Maria,
Outra santa, Maria Lourencina.
Mil vezes se repita a grande data
Que celebramos com festivo gosto
Em calendário de ouro puro e prata
Gravaremos, cantando, o Dez de agosto.
E, à tarde, quando os sinos desta terra,
Dobram as preces do findar do dia,
Toda a emoção que o nosso peito encerra
Vai reflorir nos sons do “Ave Maria”!
Rindo e cantando, a deusa Natureza
Se enfeita em flores, para vir saudar
A alma boa, que é um mundo de beleza
Dessa, que é o anjo bom do nosso lar.
Ireis, senhora, pelos vãos da vida,
Com amplas bênçãos de nossa gratidão.
Deus vos faça a existência apetecida,
Deus vos conceda paz ao coração.
O nosso brinde á um vasto relicário
De renovados agradecimentos.
Saudemos, juntos, este aniversário,
Na epopéia de mil contentamentos.
Terra Brasileira
Lúcio Mendonça de Azevedo
Eis aí, minha terra brasileira,
A terra da mãe d’água e da caapora,
Terra, que pela voz da cordilheira
É um poema enorme, pelo espaço em fora.
É a terra dos sacis e almas penadas,
Berço verde das verdes carnaubeiras!
É a terra das montanhas, das chapadas,
Das torrentes, dos rios, das cachoeiras!
Terra, onde a viloa, à doce luz do luar
Tem uma alma na voz dos desafios.
Essa terra também sabe cantar
Pela garganta natural dos rios.
E, à noite no silêncio das ramadas,
Quando, no céu, refulge um luar de prata,
A Yara embala, ao som de doces toadas,
O sono vegetal do pai da mata.
Fibras de ouro na poeira dos caminhos,
Cruzes toscas nas voltas das estradas.
Há sussurros de amor na voz dos ninhos
E cantigas no ruído das enxadas.
Curva a cabeça ao brilho do “Cruzeiro”
Que, no alto céu, esplêndido reluz!
Ele abençoa o povo brasileiro
E a terra sem rival de Santa Cruz! ...
Coisinha Simples
Lúcio Mendonça de Azevedo
Se eu fosse construtor,
Eu faria, para nós,
Uma casinha
Daquelas que tem umas
Janelas pequeninas
Que cabem só dois...
Em redor, eu faria um
Jardinzinho
Para você nunca ficar longe
De mim.
Se eu fosse construtor,
Eu faria, para nós,
Uma casinha assim...
Bem pequenininha...
Mas, mesmo assim, grande
Para nós dois.
Mas o diabo é que eu não
Entendo nada
De construção.
Poeta Morto
Lúcio Mendonça de Azevedo
Foi excêntrico poeta que morreu.
Da morte dele, - ninguém soube não”
Só Agência Funerária, e no caixão
Um amigo, talvez, a quem deveu.
Enterro simples, foi levado à mão,
Epitáfio não teve, ninguém deu”
Faltou meu sino, bronze de emoção.
Poeta e triste, quem morreu fui eu”
Se as lágrimas são bálsamos divinos,
Se os sofrimentos lembram velhos sinos
Nos seculários, imortais fadários!
Que a humanidade escute as minhas dores,
E se debruce, ouvindo os meus clamores,
Na harmonia claustral dos campanários.
14/05/1959
Contraste
Lúcio Mendonça de Azevedo
Tenho, ao meu lado, um guarda-chuva antigo
Sorvendo o pranto que do céu provém.
Nas tormentas da vida está comigo
E me conforta como um grande bem.
Mas, quando o sol desponta e a aurora tem
Fantasias de luz que amo e bendigo,
Desprezo o humilde e singular amigo,
Na insensatez da glória que me vem.
Outros amigos tenho, companheiros
Das horas de fortuna, dos luzeiros
De amplas festas reais pelo horizonte.
Mas, quando chove e quando o céu se cobre,
Eles se vão. E o guarda—chuva pobre,
Ele, sozinho, me resguarda a fronte.
13/01/1960
Ao meu irmão Chico Azevedo
Lúcio Mendonça de Azevedo
A madrugada mal sangrava o dia
Quando deixaste o mundo e o vil engano!
As rudes penas do castigo humano
Se esvaneceram suaves, na agonia.
Não mais a dor e o sofrimento insano
Velam teu leito, onde a tristeza eu via.
E nossa mãe, nas bênçãos da alegria,
Foi te acolher no Céu, meu caro mano!
Todo o bem que fizeste e que eu bendigo
São rosas puras que estarão contigo,
Pompas de ouro que a terra não te deu.
Na grandeza imortal de uma outra vida.
Terás, no Além, a gloria merecida
Que o pobre mundo não te concedeu.
11/05/1966
Canção do Rio Grande
Lúcio Mendonça de Azevedo
Rio Grande, meu rio, alvo leito bendito,
Por onde o bandeirante, a buscar o infinito,
Perseguiu um ideal, a esmeralda em quimera.
Vadeando a torrente e trilhando as barrancas,
Onde dormia, ao sol, a garça de asas brancas,
O sertanista entrou nas rotas do Anhanguera.
Rio que é alfanje em prata a cortar o sertão,
Hino de luz e som que é ternura e emoção
No plenilúnio suave, em noites divinais.
De um lado, a terra farta, a Canaã paulista,
Do outro lado, o meu chão que me empolga e conquista,
O desmaio final dos montes das Gerais.
Gigantesco punhal que algum deus alça e brande,
Lá vai, riscando a terra, audaz, o rio Grande,
Balançando, no dorso, a pluma das igaras.
Na quietude dormente, ao chegar a alvorada,
Inda se ouve, à distância, a cantiga magoada
Com que se vão, plangendo, os gênios e as iaras.
Tomba, às vezes, bravio, em rudes corredeiras
Que a mão do homem estanca e levanta barreiras
Geradoras de força e fontes de energia.
Paranaíba o espera, o outro irmão de lá.
Soberbos e em tropel, rolam no Paraná,
E rumam para o mar que hão de beijar um dia.
24/08/1968
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